Memórias em trânsito

A instalação sonora Memórias em trânsito surge das lembranças do artista ainda adolescente, como aprendiz administrativo da Fepasa em Bauru, bem como de outros ferroviários que atuaram no espaço da antiga estação da ferrovia na cidade. A obra propõe a exibição de amostras sonoras típicas daquele ambiente de trabalho, bem como de excertos de depoimentos coletados junto a antigos funcionários da companhia, com a intenção de reconstruir e atualizar representações daquele momento do edifício e de suas dinâmicas.

As amostras de áudio dos equipamentos de escritório utilizadas na obra foram registradas pelo artista no acervo que compõe a coleção permanente do Museu Histórico Municipal de Bauru e se somam a trechos de depoimentos cedidos por Susi Claudia Arrabal, Eliane Adorno e Mariuza Davila Santana, ferroviárias que atuaram no edifício hoje ocupado pelo Museu. O material sonoro coletado deu origem a uma peça sonora que será apresentada ao público por meio de um sistema de amplificação espacializado e instalado em um mobiliário que integra o acervo do Museu, um antigo escaninho que recebia e expedia malotes e todo tipo de documentos emitidos pela ferrovia e que circulavam entre suas diversas sedes e estações ao longo dos trechos administrados pela Fepasa no interior do estado.

Assim, a instalação agencia sonoridades e lembranças vinculadas ao cotidiano de uma empresa que, por décadas, foi uma das responsáveis pela afirmação do município como o maior entroncamento ferroviário nacional, gravando na experiência social bauruense marcas que, embora estejam fisicamente se desarticulando no espaço urbano local, ainda deixam ecos muito evidentes na memória da cidade e de seus inúmeros ex-ferroviários.

Nesse sentido, Memórias em trânsito opera como um dispositivo de reinvenção que articula espaço, tempo e o imaginário estabelecido por aquele passado ferroviário: um dispositivo cuja operação nos alerta, como afirma a pesquisadora brasileira Ecléa Bosi, que “na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, tal como foi […]. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual”.

Marcelo Bressanin

fotos: Marilia Vasconcellos