Tempo e memória

Inspirada pelos trilhos e vagões abandonados da estação ferroviária de Triagem e pela observação de como o abandono e o desgaste natural do tempo transformaram aqueles vagões, ferros, latas e todos os objetos que foram deixados naquele local onde a ferrugem hoje toma conta do lugar, a escultura Tempo e memória é um convite a mergulhar na ação do tempo sobre as coisas e como se relaciona com a história daquele local.

Ao longo das pesquisas que foram realizadas tanto na Estação de Triagem quanto na Estação Central Noroeste do Brasil, o impacto do tempo sobre as coisas despertou na artista o interesse em mesclar sua caligrafia abstrata com os ferros da ferrovia. Para retratar esse sentimento, a escultura com a palavra “tempo”, meio desconexa, em partes mais abstratas, em parte mais legíveis, faz com que esse encontro caótico que acontecia nas linhas férreas entre trilhos, trens, pessoas e sentimentos, ganhasse forma, se tornando então matéria. Quantas histórias foram vividas ali? Quantos casos de amor e afetos aconteceram? Dores, sentimentos, palavras se fizeram presentes nesses longos anos de ferrovia, tanto em atividade quanto em abandono.

Esses trilhos, que levaram tantos personagens, hoje são apenas memória, lembrança e saudade. Por isso, a escultura também é um convite ao cuidado. Abandonados, sem preservação, os metais perdem seu brilho, assim como nós perdemos parte de nossa essência quando nos descuidamos de nossa história e memória.

A ferrugem que toma conta dos objetos da ferrovia é um lembrete de que o tempo é implacável e inevitável, mas também é capaz de transformar e dar novos significados. Assim, Tempo e memória busca resgatar essa conexão entre passado e presente, entre o que foi e o que resta, entre a força do tempo e a permanência da memória, trazendo à tona a importância de preservar nossa história e nossas raízes.

A escolha do material e a disposição das peças na obra foram pensadas de forma a criar uma conexão entre o espectador e o espaço abandonado da estação ferroviária. A obra é uma forma de resgatar a história daquele lugar e de preservar a memória das pessoas que um dia passaram por ali. É, portanto, uma homenagem aos trilhos e vagões abandonados e à beleza da deterioração causada pelo tempo, para lembrar que, mesmo no abandono, há beleza e história a serem contadas. Um convite para olhar para trás, resgatar lembranças e valorizar cada momento vivido. Porque, afinal, o tempo é implacável, mas as memórias são eternas.

Mari Monteiro

fotos: Marilia Vasconcellos