fotos: Marilia Vasconcellos
Espólio
A obra Espólio é um elo entre os tempos, uma ode à Eny. Como ator central, um sobrevivente: o letreiro. A prova resiliente da existência de uma história, símbolo sólido como uma âncora que une o passado ao presente. Dele, emerge um relicário de artefatos verdadeiros e inventados, embebidos em fantasias íntimas, que honram e desnudam a famosa Casa da Eny, o maior e mais luxuoso prostíbulo do país, entre as décadas de 60 a 80. Uma ficção, uma novela, uma alegoria mesclada à pesquisa histórica. Um compêndio de fatos colhidos na lembrança popular dessa figura emblemática e na trajetória do seu espaço. Um convite a transcender as cortinas do sexo e mergulhar em constelações de fósseis flutuantes, iluminados e floreados, que abrem as portas do imaginário de um universo particular.
Marilia Vasconcellos
A hanseníase dilacera: sentimento que floresce não só pela dor física e psicológica mas por revelar a crueldade e o preconceito de uma sociedade movida pelo medo e pela segregação. Marca décadas de exclusão, humilhação e apagamento do indivíduo. Conhecer o Instituto Lauro de Souza Lima foi um marco na minha percepção da condição humana. Ali pulsam décadas de vidas reconstruídas, pulsa a dignidade, a resiliência, a aceitação e, principalmente, a readaptação.
Obra efêmera e perecível, Apagamento foi criada para se desfazer lentamente, ao gosto do tempo, até o seu total desaparecimento. Trata de forma simbólica as limitações, a perda do direito de ir e vir, a exclusão do indivíduo pela sociedade e pelas limitações físicas impostas pela doença. Os vinte e cinco pares de sapato de argila crua que compõem a obra reproduzem os calçados utilizados pelos pacientes, individualmente desenhados e manufaturados para amenizar os graves sintomas, dignificar e possibilitar o seu livre caminhar.
Marilia Vasconcellos
Apagamento
Fóssil
Sob os arabescos da varanda suspensa do Automóvel Clube eu me transportei no tempo, vi a vida brotar em trajes de gala, a música ecoar do salão em meio ao tilintar das taças e a fumaça dos charutos. Vi em seus floreios arquitetônicos o eco da riqueza de uma outra época, os anos dourados de Bauru. Ao caminhar pelo centro, podemos ver despontar os resquícios de uma arquitetura pujante. Alguns edifícios jazem apagados em seus escombros, portas lacradas em meio a tempestuosas pichações, mas, se observarmos com atenção, o luxo ainda desponta em seus ricos ornamentos beirais, sinalizando que nem sempre foi assim.
Como forma de enaltecer e elucidar o seu legado, a obra resgata antigas técnicas, semelhantes às usadas no passado para adornar os emblemáticos Hotel Milanese e o Automóvel Clube de Bauru. O resultado é uma escultura híbrida, tátil, que nos remete a sensação simbólica de um edifício escavado, desenterrado do mesmo material que um dia o adornou, um fóssil.
Marilia Vasconcellos